Carlos Drummond de Andrade

quarta-feira, 8 de julho de 2020

Capitães de Areia


Resenha literária: Capitães de Areia

Autor: Jorge Amado



Sinopse
Capitães da Areia faz referência aos meninos de rua de Salvador, menores cuja vida desregrada e marginal é explicada, de uma forma geral, por tragédias familiares relacionadas à condição de miséria. O grupo de meninos que forma os Capitães se esconde em um armazém abandonado em uma das praias da capital baiana. 
Os personagens que compõem o núcleo central da narrativa apresentam algumas particularidades: João Grande possui uma força bruta, o professor é lembrado pelo talento artístico, Sem-Pernas pela amargura existencial, a opressão sertaneja é representada por Volta-Seca, a sexualidade precoce por Gato, o malandro é o Boa-Vida e a tendência à religiosidade se manifesta em Pirulito. Todos são liderados por Pedro Bala, o protagonista do romance. 

Enredo

Retrata os meninos como moleques atrevidos, malandros, espertos, famintos, ladrões, agressivos, falsos, soltos de língua, carentes de afetos, de instrução e de comida. O livro é dividido em três partes. Antes delas, no entanto, vem uma sequência de pseudo-reportagens no Jornal da Tarde, que caracterizam-nos e mostram diversas visões e opiniões sobre o caso.

Análise:
O livro se inscreve na categoria romance de aventuras, onde temos um grupo de crianças abandonadas nas ruelas de Salvador e que vivem num trapiche abandonado, perto da praia. Esses são os Capitães da Areia. Crianças, mendigos, ladrões, heróis. As pessoas têm medo deles porque roubam para sobreviver. E eles têm medo das pessoas por que essas os olham como aberrações. São fujões que foram abandonados, abusados, violentados. Outros são só órfãos. São crianças que nunca tiveram o amor de uma mãe ou de um pai. Crianças brancas, negras, mulatas e até filhos de estrangeiros. Cabelo liso, enrolado, preto, loiro, cumprido, curto. Aqui não há estereótipo. Aqui há crianças que aprenderam cedo que o mundo não os quer de braços abertos. O mundo não os quer de forma alguma.
Pedro Bala possui muito do herói romântico: valentia, coragem e capacidade de se sacrificar pelo grupo. Mas talvez fosse melhor vê-lo como mais um anti-herói da nossa literatura, já que se dedica a crimes, chegando em uma passagem do romance a estuprar uma garota. Outra marca forte do modelo romântico é a figura de Dora, tanto por sua concepção idealizada, quanto pelo final triste da morte.
Porém, de mãos dadas com a ficção está a realidade baiana, evidenciada em traços como o preconceito das elites para com os meninos, as greves de trabalhadores, a ação repressora da força policial e, elemento bastante realçado na obra, o sincretismo religioso, que mistura referências católicas a ritos afro-brasileiros. O esforço de conscientização do leitor é evidente na obra de Jorge Amado, sendo conduzido com a perícia de um grande contador de histórias, criador de narrativas envolventes. 
Os adultos participam da narrativa, divididos em dois grupos bem distintos. De um lado, aqueles que rejeitam os meninos: as beatas, os policiais e todos aqueles ligados aos espaços repressivos do reformatório e do orfanato. De outro lado, os cúmplices, como o amigo capoeirista Querido-de-Deus, o padre João Pedro e Don’Aninha, mãe-de-santo.

A simpatia do narrador pelos Capitães da Areia é bastante evidente. Ele os vê como vítimas de uma sociedade injusta, aproximando-os da condição de marginalizados, na qual se identificam com as classes trabalhadoras. O resultado dessa aproximação é sugerido pela trajetória do líder Pedro Bala: conforme cresce, toma consciência da realidade à sua volta, terminando por integrar-se à luta política. Menino órfão, Pedro encontra uma família na revolução socialista – ideal político do autor e explícito no livro.

Por ter um narrador onisciente (aquele que sabe de tudo), a leitura flui facilmente. A escrita do autor te envolve rapidamente e te faz agarrar na história desde o primeiro capítulo. A temática do romance é o descaso social, que é mostrado com clareza ao longo da história. O assunto é abordado por meio de falas das personagens ou comentários do narrador. Além disso, outro ponto também muito citado é ausência da presença materna, no capítulo “Família”. O menino Sem pernas entrava em casas ricas, dizia que era órfão e pedia um lugar para morar. Depois que se instalava, ele chamava os Capitães da areia para cometerem furtos. Neste capítulo, no entanto, o personagem conhece pessoas que o acolhem como verdadeiro filho e fica balançado. No fim, Sem pernas decide ser leal ao grupo e comete o roubo.
O livro é bastante solicitado para leitura pelos professores de Literatura, porque tem uma temática atemporal. Os problemas decorrentes na narrativa, infelizmente, estão presentes na nossa sociedade até hoje. Jorge Amado consegue nesta obra nos fazer refletir sobre nossa própria realidade. É impossível ler “Capitães da areia” e não sentir empatia, compaixão e tristeza. É necessário pensar sobre o nosso País, e seu contexto sócio/cultural e político.



Sobre o autor
Jorge Amado pertence à segunda geração da literatura modernista brasileira, identificada como aquela que abordou a temática nordestina. No caso do escritor baiano, essa temática foi focalizada sob o prisma do realismo socialista, que aplicava à visão artística da realidade os princípios do Marxismo, do qual o autor foi adepto, chegando a eleger-se deputado pelo Partido Comunista Brasileiro. Algumas de suas principais obras foram adaptadas para a televisão, é o caso de “Tieta do Agreste”, “Gabriela, Cravo e Canela” e “Dona Flor e Seus Dois Maridos”. Pela grande contribuição literária, Jorge Amado ganhou o Prêmio Camões em 1994.

Importância do Livro
Capitães da areia estabelece uma analogia entre a aventura que é narrada e a mensagem política que se pretende transmitir ao leitor. Possui com isso, um sentido didático que é próprio do tipo de literatura que o romance representa: aquele que é voltado para o trabalho de conscientização política. No âmbito da literatura, Jorge Amado foi um dos primeiros a abordar a questão dos menores de rua de uma perspectiva social e não simplesmente policial.




 Conheça os personagens do livro de Jorge Amado

A obra não possui um personagem principal. Para indicar um protagonista, o mais apropriado seria apontar o conjunto do bando, ou seja, os Capitães da Areia como grupo. Isso porque as ações não giram em torno de um ou de outro personagem, mas ao redor de todos. Pedro Bala, o líder do bando, não é mais importante para o enredo do que o Sem-Pernas ou o Gato. Pode-se dizer que ele é o líder do bando, mas não lidera o eixo do romance. Daí a idéia de que o protagonista é o elemento coletivo, e cada membro do grupo funciona como uma parte da personalidade, uma faceta desse organismo maior que forma os Capitães da Areia.

PEDRO BALA - líder dos Capitães da Areia, tem o cabelo loiro e uma cicatriz de navalha no rosto, fruto da luta em que venceu o antigo comandante do bando. Seu pai, conhecido como Loiro, era estivador e liderara uma greve no porto, onde foi assassinado por policiais.

SEM-PERNAS - deficiente físico, possui uma perna coxa. Preso e humilhado por policiais bêbados, que o obrigaram a correr em volta de uma mesa na delegacia até cair extenuado, Sem-Pernas conserva as marcas psicológicas desse episódio, que provocou nele um ódio irrefreável contra tudo e todos, incluindo os próprios integrantes do bando.

GATO - é o galã dos Capitães da Areia. Bem-vestido, domina a arte da jogatina, trapaceando, com seu baralho marcado, todos os que se aventuram numa partida contra ele. Além dos furtos e do jogo, Gato consegue dinheiro como cafetão de uma prostituta chamada Dalva.

PROFESSOR - intelectual do grupo, deu início às leituras depois de um assalto em que roubara alguns livros. Além de entreter os garotos, narrando as aventuras que lê, o Professor ajuda decisivamente Pedro Bala, aconselhando- o no planejamento dos assaltos.

PIRULITO - era o mais cruel do bando, até que, tocado pelos ensinamentos do padre José Pedro, converte-se à religião. Executa, com os demais, os roubos necessários à sobrevivência, sem jamais deixar de praticar a oração e sua fé em Deus.

BOA-VIDA - o apelido traduz seu caráter indolente e sossegado. Contenta-se com pequenos furtos, o suficiente para contribuir para o bem-estar do grupo, e com algumas mulheres que não interessam mais ao Gato.

JOÃO GRANDE - é respeitado pelo grupo em virtude de sua coragem e da grande estatura. Ajuda e protege os novatos do bando contra atos tiranos praticados pelos mais velhos.

VOLTA SECA - admirador do cangaceiro Lampião, a quem chama de padrinho, sonha um dia participar de seu bando.

DORA - seus pais morreram, vítimas da varíola, quando tinha apenas 13 anos. É encontrada com seu irmão mais novo, Zé Fuinha, pelo Professor e por João Grande. Ao chegar ao trapiche abandonado, onde os garotos dormem, Dora quase é violentada, mas, tendo sido protegida por João Grande, o grupo a aceita, primeiro como a mãe de que todos careciam, depois como a valente mulher de Pedro Bala.

PADRE JOSÉ PEDRO - padre de origem humilde, só conseguiu entrar para o seminário por ter sido apadrinhado pelo dono do estabelecimento onde era operário. Discriminado por não possuir a cultura nem a erudição dos colegas, demonstra uma crença religiosa sincera. Por isso, assume a missão de levar conforto espiritual às crianças abandonadas da cidade, das quais os Capitães da Areia são o grande expoente.

QUERIDO-DE-DEUS - grande capoeirista da Bahia, respeita o grupo liderado por Pedro Bala e é respeitado por ele. Ensina sua arte para alguns deles e exerce grande influência sobre os garotos.

Considerações finais

O que falar de Pedro BalaVolta SecaGatoProfessorPirulitoSem-Pernas e todos os outros capitães da areia? Tão jovens, mas já tão maduros. Tão independentes, tão homens, mas ainda tão crianças. Personagens que me cativaram por completo. Não tenho um personagem preferido, por que me afeiçoei a cada um deles de forma distinta. Se me perguntassem qual meu capitão da areia preferido eu ficaria sem saber o que dizer, pois cada um, com sua característica essencial, aquela que lhe dá nome e define sua personalidade tão marcante, me tocou de uma forma diferente. Como não se emocionar com a trágica e por que não heroica vida do Sem-Pernas? E do ideal de Pedro Bala? E a angústia do Professor? E a devoção e o sacrifício de Dora? Aquela que “fora mais valente de todas as mulheres”.




Sem comentários:

Enviar um comentário